segunda-feira, 15 de junho de 2009

EXERCÍCIO EM AMBIENTES QUENTES

A prática de exercícios em dias com temperatura elevada é visto sempre como um grande desafio. Os pesos parecem estar mais pesados, o tempo na esteira parece custar mais a passar e o ar que inspiramos é sempre quente e insuficiente. Como se não bastasse a ardência nos olhos quando o suor entra em contato com o globo ocular, acabam tornando um feliz dia de treinamento com os amigos na academia uma verdadeira maratona.

O nosso organismo possui uma série de mecanismos fisiológicos que visam mantê-lo em condições ideais para seu perfeito funcionamento. Por exemplo, quando começamos a correr a freqüência cardíaca e respiratória são aumentadas a fim de suprir a necessidade de oxigênio para os tecidos, e manter com isso um equilíbrio dinâmico do metabolismo.
Deste modo, os dias quentes impõem ações de mecanismos fisiológicos no intuito de manter nosso corpo com uma temperatura adequada, já que pequenas mudanças neste aspecto podem ser muito nocivas ao organismo.
A pratica de exercícios acelera o metabolismo aumentando com isso a temperatura corporal. Ocorre que em dias quentes esta resposta do organismo aos exercícios torna-se mais difícil.
Com isso, o grande desafio ao treinar em dias quentes está em evitar que a temperatura corporal suba muito, impedindo deste modo que se possa treinar normalmente. Para isso o organismo precisa eliminar o calor que é produzido pela própria prática de exercícios.

São quatro os mecanismos de termorregulação; Irradiação, condução, convecção e evaporação.
Irradiação: Objetos emitem continuamente ondas térmicas por irradiação. Este mecanismo não necessita contato entre os objetos e é bem exemplificado pelos raios solares que aquecem a terra. Normalmente nos emitimos nosso calor para o meio ambiente, porém em dias quentes esta permuta torna-se inversa impedindo de eliminarmos calor por este mecanismo.
Condução: A perda de calor neste caso envolve a transferência direta de calor através de um líquido, sólido ou gás de uma molécula para outra. É possível flagrar pessoas passando calor corporal inconscientemente ao se abraçarem num aparelho da musculação que esteja mais frio. Ou mesmo quando nos mexemos muito ao dormir em uma noite quente, em busca de partes do lençol e travesseiro que ainda estejam mais frios.
Convecção: Este processo assemelha-se à condução. Observa-se, porém, que na perda de calor por condução que o ar próximo ao corpo é trocado após ter sido aquecido. Se o movimento do ar ou a convecção forem lentos o ar perto da pele aquecido torna-se um isolante térmico impedindo a permuta de calor. Por outro lado se o ar mais quente que circula o corpo é substituído continuamente por ar mais frio a perda de calor do corpo aumenta. Um bom exemplo é uma corrida na esteira. Na esteira o individuo corre no mesmo lugar e vai aquecendo o ar que está em volta dele, ao correr na rua o ar quente é deixado para trás facilitando assim a diminuição do calor corporal. Quando colocamos um ventilador próximo a esteira que estamos correndo, o ar que vem do ventilador não é mais frio que o ar do ambiente, a sensação é agradável porque o ar que chega empurra o ar aquecido próximo do corpo caracterizando assim o processo de convecção.
Evaporação: A evaporação constitui a principal defesa fisiológica contra o superaquecimento. Nos dias quentes principalmente, a eficácia na perda de calor por condução, convecção e irradiação diminui. Quando a temperatura ambiente ultrapassa a temperatura corporal, passa a haver uma passagem de calor do meio para o corpo e, por conseqüência, a evaporação torna-se fundamental.
O calor é transferido continuamente para o meio ambiente, à medida que a água é vaporizada pelas vias respiratórias e pele. Este mecanismo é muito eficiente, pois para cada litro de água vaporizada são eliminados pelo organismo 580 kcal.
Outro aspecto interessante em relação à evaporação é a umidade relativa do ar que influencia drasticamente na termorregulação. Quando a umidade do ar e elevada a pressão do vapor ambiente se aproxima a da pele úmida e a evaporação diminui muito. Deste modo esta via de perda de calor é fechada e acaba formando grandes quantidades de suor que formam gotas sobre a pele e acabam caindo sob forma de gotas favorecendo a desidratação. Cabe ressaltar que o suor em si não refresca a pele; é a evaporação desse suor que esfria a pele. É possível notar, contudo, que ambientes quentes e úmidos são piores que temperaturas ainda maiores, porém secas.

Cuidados
Algumas medidas devem ser tomadas para evitar os efeitos desagradáveis do calor.
A principal medida está relacionada à hidratação. Como vimos a água é a principal moeda de troca para manter o equilíbrio térmico do organismo, precisamos eliminar calor com a evaporação do suor e com isso perdemos muito líquido promovendo graus de desidratação que podem ser prejudiciais. Logo a reposição de água deve ser intensificada. Alguns autores recomendam a ingestão de 400 a 600 ml de água gelada 20 minutos antes de exercitar-se, além de ingestões durante o exercício.
Cabe ressaltar que a sensação de sede nem sempre esta associada à desidratação, portanto a ingestão de água deva ocorrer independente da sede.
A orientação de um nutricionista sobre a ingestão de água, minerais e outros nutrientes que impeçam a desidratação pode ser determinante para um bom desempenho nos exercícios.




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ARTIGO: Hidratação durante o exercício: a sede é suficiente?

O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão sobre a hidratação e discutir se, durante o exercício, a reposição de líquidos de acordo com a sede é suficiente para hidratar o indivíduo.

RESUMO
A perda hídrica pela sudorese induzida pelo exercício, especialmente realizado em ambientes quentes, pode levar à desidratação, pode alterar o equilíbrio hidroeletrolítico, dificultar a termorregulação e, assim, representar um risco para a saúde e/ou provocar uma diminuição no desempenho esportivo. Tem sido citado que os atletas não ingerem voluntariamente água suficiente para prevenir a desidratação durante uma atividade física. Em função disso, têm sido propostas recomendações internacionais sobre a hidratação. Segundo o American College of Sports Medicine (ACSM), deve-se ingerir aproximadamente 500mL de líquidos nas duas horas antecedentes ao exercício. Durante o exercício, os atletas devem começar a beber desde o início e em intervalos regulares, em volume suficiente para repor as perdas pela sudorese ou o máximo tolerado. A National Athletic Trainer's Association (NATA) faz as seguintes recomendações: ingerir 500 a 600mL de água ou outra bebida esportiva duas a três horas antes do exercício e 200 a 300mL 10 a 20 minutos antes do exercício; durante o exercício, a reposição deve aproximar as perdas pelo suor e pela urina e pelo menos manter a hidratação, com perdas máximas correspondentes a 2% de perda de peso corporal; após o exercício a hidratação deve ter como objetivo corrigir quaisquer perdas líquidas acumuladas. Além disso, o ACSM e o NATA fazem referências sobre temperatura e palatabilidade do líquido, adição de carboidratos e eletrólitos de acordo com a intensidade e duração do exercício e estratégias de hidratação para facilitar a acessibilidade do atleta ao líquido. No entanto, outros autores questionam o uso da reidratação em volumes predeterminados e sugerem que a ingestão de líquidos de acordo com a sede seja capaz de manter a homeostase.
Palavras-chave: Sede. Hidratação. Exercício.
INTRODUÇÃO
A perda hídrica pela sudorese durante o exercício pode levar o organismo à desidratação, com aumento da osmolalidade, da concentração de sódio no plasma(1-2) e diminuição do volume plasmático. Quanto maior a desidratação, menor a capacidade de redistribuição do fluxo sanguíneo para a periferia, menor a sensibilidade hipotalâmica para a sudorese e menor a capacidade aeróbica para um dado débito cardíaco(3). Os ajustes fisiológicos decorrentes da desidratação, os protocolos de ingestão de fluidos e o papel da sede constituem o foco da presente revisão.
Um dos primeiros estudos a respeito das modificações do balanço hídrico em ambientes quentes foi realizado em 1938, o que demonstra, desde então, a preocupação em se observar o comportamento fisiológico do organismo em atividades realizadas em ambiente quente. Adolph e Dill(4) analisaram as perdas hídricas pela urina e pela sudorese, a ingestão de líquidos e a concentração da urina (gravidade específica) no exercício no deserto (ambiente quente e seco), encontrando aumento da sudorese, com conseqüente aumento na ingestão de líquidos, estabilização ou diminuição na excreção de urina e aumento na concentração da urina.
Os efeitos fisiológicos da desidratação induzida pelo exercício têm sido estudados através da comparação de diversas respostas fisiológicas de indivíduos quando estes não repõem as perdas de líquido durante um exercício prolongado, ou as repõem parcial ou totalmente. Há uma diminuição no volume plasmático com o início do exercício. Esta redução é influenciada pelo tipo e pela intensidade do exercício, assim como pela postura adotada(5). Subseqüentemente, há uma redução progressiva do volume plasmático associada ao exercício, que pode ser compensada pela ingestão de líquidos durante o mesmo(6-10). A variação no volume é menor quando a ingestão de líquidos é maior(10) e pode ser prevenida se a taxa de ingestão de líquidos for igual à taxa de perda de líquidos.
Os aumentos na osmolalidade plasmática e na concentração de sódio no plasma durante o exercício muitas vezes se correlacionam com o aumento na temperatura esofagiana(10), devido ao estímulo para a redução na sudorese que acontece em maiores níveis de desidratação. Isto sugere que uma importante meta da ingestão de líquidos durante o exercício pode ser prevenir variações na osmolalidade e na concentração plasmática de sódio, como originalmente proposto por Dill(11).
Alguns estudos têm mostrado que a taxa de sudorese diminui com o aumento dos níveis de desidratação(12). No estudo de Montain et al.(13), nove indivíduos realizaram exercícios em ambiente quente em três intensidades diferentes e sob três níveis de hidratação: 0% (eu-hidratado), 3% e 5% (hipoidratados). Encontrou-se que, quanto maior o percentual de desidratação, maior o limiar para a sudorese, menor a sensibilidade para a sudorese e menor a produção de suor.
O aumento na temperatura retal relacionado ao exercício é atenuado pela ingestão de fluidos durante o mesmo(6-7,9-10,12,14-15). Este aumento é reduzido proporcionalmente ao volume de líquido ingerido e é menor quando a taxa de ingestão se aproxima da taxa de sudorese(10,12). Existe uma relação direta entre o aumento na temperatura esofagiana e o nível de desidratação(9-10), que também foi verificada em alguns dos estudos originais de campo(4).
A ingestão de fluidos reduz as respostas da temperatura retal somente após 60-80min de exercício(6,9-10). Nenhum efeito da ingestão de líquidos na temperatura retal foi encontrado em um estudo de menor duração, com maior intensidade(16), possivelmente devido à duração do exercício (menos de 80min). Cheuvront e Haymes(17), num estudo em que foi avaliado o efeito da ingestão de água de acordo com a sede sobre as respostas termorregulatórias durante exercício a 71% do O2max realizado sob diferentes estresses térmicos (frio, moderado e quente), não encontraram diferenças na temperatura interna nas três situações. Concluiu-se que as repostas termorregulatórias são compensáveis quando há ingestão de acordo com a sede e reposição de aproximadamente 60-70% das perdas pelo suor.
A freqüência cardíaca é aumentada(7-8,12) e o volume de ejeção reduzido em proporção ao déficit de fluidos que ocorre durante o exercício(10). Mesmo uma leve desidratação (um por cento da massa corporal) pode aumentar o esforço cardiovascular, o que pode ser visto através de um aumento desproporcional da freqüência cardíaca durante o exercício, além de limitar a capacidade corporal de transferir calor dos músculos em contração para a superfície da pele, onde pode ser dissipado para o ambiente. Portanto, um déficit hídrico pode reduzir o desempenho e aumentar a possibilidade de ocorrer uma complicação térmica(18). No entanto, o débito cardíaco e o volume de ejeção não diminuem quando a taxa de ingestão de líquidos é suficiente para prevenir a desidratação.
A ingestão de fluidos mantém maiores taxas de fluxo sanguíneo no antebraço durante o exercício(9-10), assim como no antebraço e na panturrilha em repouso durante uma exposição prolongada ao calor(19). A redução do fluxo sanguíneo no antebraço é proporcional ao nível de desidratação(10). Logo, a ingestão de líquidos durante o exercício pode atenuar o desenvolvimento da hipertermia através da manutenção do fluxo sanguíneo para a pele(9).
A percepção subjetiva do esforço é aumentada em proporção ao déficit de líquidos(10). Mesmo uma reposição parcial de fluidos tem um efeito significativo na percepção subjetiva do esforço durante um exercício de alta intensidade(16). Os principais efeitos da restrição de fluidos durante exercícios prolongados de baixa intensidade, dentre eles, a alteração da percepção subjetiva do esforço, têm sido descritos.
A função renal durante exercícios prolongados não é afetada por níveis de desidratação inferiores a 4%(20-21) e é aumentada durante a recuperação em indivíduos que retêm líquido durante o exercício(22). Estudos clássicos também observaram que a função renal não foi influenciada por níveis de desidratação inferiores a 7%. Anúria foi registrada em um corredor que bebeu inadequadamente e perdeu 11% do peso corporal durante uma ultramaratona de 88km(21).
Uma vez conhecidos os possíveis efeitos da desidratação (em diferentes níveis), surgem perguntas do tipo: ingerir quanto, como, quando? Água pura ou soluções hidroeletrolíticas? Como avaliar o estado de hidratação? Após um período em que a recomendação de "não beber" durante o exercício predominou (até ~1970), surgiram protocolos de hidratação que têm como objetivo ensinar os indivíduos a se hidratarem para atingir o equilíbrio hidroeletrolítico, e os mesmos se tornaram um paradigma. Estes protocolos determinam o quanto e o quê se deve ingerir e de quanto em quanto tempo os líquidos devem ser repostos durante o exercício. No entanto, recentemente Noakes (2004)(23) apresenta uma crítica a tais protocolos de hidratação. Ele ressalta a ausência de dados científicos consistentes nestas recomendações e defende a sede como o mecanismo fisiológico eficiente para determinar a ingestão de fluidos durante o exercício.
Na presente revisão, apresentamos os efeitos da desidratação no organismo, descrevemos as recomendações internacionais sobre hidratação e discutimos a possibilidade de a sede ser um mecanismo regulador suficiente para manter o ser humano hidratado durante o exercício. Para tanto, partimos dos dois principais consensos científicos sobre hidratação no exercício (ACSM (1996)(18) e NATA (2000)(27)). Para a seleção dos artigos citados, utilizamos uma busca bibliográfica por palavras-chave (thirst, hydration/dehydration and exercise) nas principais bases de dados de artigos científicos na área de ciências biomédicas (Web of Science e Pubmed), Além disso, foram selecionadas publicações do Laboratório de Fisiologia do Exercício da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, que corroboram a hipótese aqui discutida.
AVALIAÇÃO DO ESTADO DE HIDRATAÇÃO
O estado de hidratação é um fator determinante para a prática de atividades físicas. Desta forma, o conhecimento do estado de hidratação do indivíduo antes, durante e após o exercício torna-se importante para a sua prática constante. Além disso, avaliar o estado de hidratação é fundamental para evitar os problemas de saúde devido à desidratação.
A osmolalidade plasmática é o principal método de avaliação do estado de hidratação em situações laboratoriais, em que maior precisão na medida é exigida(24).
A gravidade específica da urina tem sido considerada como um bom método não-invasivo para a avaliação do estado de hidratação dos indivíduos(25).
A variação do peso corporal também pode ser utilizada para a avaliação do estado de hidratação. A partir da diferença do peso corporal antes e após o exercício é possível calcular o percentual de perda de peso para classificar o estado de hidratação.
Outro método prático para a estimativa da hidratação corporal é a análise da coloração da urina, utilizando-se a escala proposta por Armstrong et al.(26). A escala apresenta uma boa correlação com a densidade e a osmolalidade urinárias e com a osmolalidade plasmática(25).
RECOMENDAÇÕES SOBRE A REPOSIÇÃO DE FLUIDOS
Como descrito anteriormente, a desidratação pode comprometer o desempenho durante o exercício e aumentar os riscos associados ao esforço e ao calor. Além disso, segundo a National Athletic Trainer's Association(27), os indivíduos não ingerem voluntariamente água suficiente para prevenir a desidratação durante uma atividade física. Por outro lado, o excesso de ingestão de líquidos deve ser evitado, uma vez que também pode comprometer o desempenho e a saúde do indivíduo. Têm sido propostas em consensos internacionais recomendações sobre a hidratação com o intuito de minimizar os efeitos negativos das perdas hídricas sobre as respostas fisiológicas ao exercício.
Algumas das recomendações do American College of Sports Medicine(18) sobre a quantidade e a composição dos líquidos que devem ser ingeridos antes, durante e após um exercício estão reproduzidas a seguir:
1. Recomenda-se que os indivíduos ingiram em torno de 500mL de líquidos nas duas horas que antecedem um exercício, para promover uma hidratação adequada e haver tempo suficiente para excreção da água ingerida em excesso.
2. Durante o exercício, os atletas devem começar a beber logo e em intervalos regulares, com o objetivo de consumir líquidos em uma taxa suficiente para repor toda a água perdida através do suor, ou consumir a maior quantidade tolerada.
3. Recomenda-se que os líquidos sejam ingeridos em uma temperatura menor do que a ambiente (entre 15 e 22ºC) e com sabor atraente.
4. Recomenda-se a adição de quantidades adequadas de carboidratos e eletrólitos para eventos com duração maior do que uma hora, já que não prejudica a distribuição de água pelo organismo e melhora o desempenho. Durante exercícios com duração inferior a uma hora, há pouca evidência de que haja diferenças fisiológicas em termos de desempenho caso sejam consumidos líquidos com carboidratos e eletrólitos ou água pura.
5. Recomenda-se a adição de sódio (0,5 a 0,7g.L1 de água) na solução de reidratação se o exercício durar mais do que uma hora. Isto pode ser vantajoso por melhorar o gosto, promovendo a retenção de líquidos e possivelmente revertendo a hiponatremia em alguns indivíduos que tenham ingerido quantidades excessivas de líquidos.
A National Athletic Trainer's Association(27) também faz recomendações acerca da reposição de líquidos para atletas, as quais se assemelham às do ACSM(18), principalmente no que diz respeito ao volume a ser ingerido. Segundo a NATA(27), para assegurar o estado de hidratação, os atletas devem ingerir aproximadamente 500 a 600mL de água ou outra bebida esportiva duas a três horas antes do exercício e 200 a 300mL 10 a 20 minutos antes do exercício. A reposição de líquidos deve aproximar as perdas pelo suor e pela urina.
DISCUSSÃO: A SEDE É SUFICIENTE?
Após vários anos de recomendação aos atletas e praticantes de atividades físicas que ingerissem quantidades fixas ou o máximo de líquidos (água pura e bebidas esportivas) a cada 15 ou 20 minutos de exercício para evitar a desidratação, tem sido verificado que esta estratégia de reidratação pode ser excessiva ou mesmo prejudicial à saúde das pessoas.
Dados recentes têm demonstrado evidências sobre o crescente número de pessoas que são acometidas pela hiponatremia (baixa concentração de sódio plasmático: valores abaixo de 135mEq) durante exercícios físicos prolongados, devido, sobretudo, à hiperidratação(28). Almond et al.(29) observaram que durante a maratona de Boston de 2002, 13% dos atletas apresentaram hiponatremia e três atletas tiveram concentrações tão baixas de sódio plasmático que corriam risco de morte. Além disso, naquele estudo foi observado que muitos atletas beberam quantidades excedentes de líquidos a ponto de aumentarem o seu peso corporal ao final do percurso da maratona.
Sabe-se que durante o exercício a função renal pode tornar-se alterada. Alguns estudos têm relatado diminuições de 20 a 60% na função renal, com conseqüente aumento na concentração da urina, em situações de exercício competitivas e de laboratório(30). Neste sentido, uma das possíveis explicações seria que uma ingestão excessiva de líquidos, somada à função renal alterada durante o exercício, poderia ocasionar hemodiluição e deslocamento do excesso de água para o espaço intracelular, que pode ser fatal.
Em estudo realizado em nosso laboratório, foi verificado que durante exercício intenso e prolongado (2h), com ingestão de água de acordo com ACSM(18), em ambiente temperado e quente os indivíduos apresentaram fluxo urinário aumentado (principalmente no ambiente temperado) e diluição da urina em ambos os ambientes térmicos, sugerindo que pode ter ocorrido uma ingestão excessiva de líquidos(31).
Alguns estudos têm sugerido que, nos seres humanos durante o exercício – principalmente em ambientes térmicos estressantes – o mecanismo da sede não seria suficiente para repor as perdas hídricas pela sudorese, acarretando desidratação involuntária(32-33). Esta desidratação seria desencadeada por mecanismo fisiológico complexo que envolve fatores comportamentais (costume da pessoa em se hidratar), capacidade gástrica de absorção de fluidos e, além disso, estímulos hormonais e do sistema nervoso central(33-34). Desta forma, considerou-se a desidratação como o principal fator que afetaria a termorregulação e a capacidade de os indivíduos realizarem exercício físico em ambientes quentes.
A partir das observações de que a sede não seria eficiente em humanos e de que a desidratação seria o principal risco para os participantes de atividades físicas no calor, a necessidade de reposição ao máximo das perdas hídricas tornou-se estabelecida e difundida nos consensos internacionais. Desta forma, a regra seria: quanto mais a ingestão de líquidos (água e bebidas esportivas) se aproximar da sudorese, menores serão os efeitos da desidratação sobre as funções fisiológicas e sobre o desempenho esportivo(18,32).
Em contrapartida, considerando as discussões atuais sobre os possíveis riscos relacionados ao excesso de hidratação durante o exercício, alguns autores têm defendido a efetividade da ingestão de líquidos de acordo com a sede, isto é, ingestão de líquidos voluntária, como estratégia segura de reposição de fluidos.
Alguns estudos, principalmente a partir do ano 2000, têm ressaltado que a reposição hídrica guiada pela sede pode ser suficiente para a manutenção das respostas termorregulatórias e da capacidade de realizar exercício, mesmo com a pequena desidratação involuntária que freqüentemente ocorre nesta situação(35). Daries et al.(36) observaram que não houve diferença no desempenho de corredores quando os mesmos se hidratavam seguindo as recomendações do ACSM(18) e quando a ingestão era feita de acordo com a sede. Cheuvront e Haymes(17) demonstraram que a temperatura corporal foi mantida ao longo de exercícios realizados por corredoras que ingeriram água de acordo com a sede (o que repôs 60 a 70% das perdas hídricas pela sudorese, aproximadamente 2% de percentual de desidratação) em condições ambientais compensáveis.
Alguns estudos realizados em nosso laboratório também corroboram a hipótese de a sede ser eficiente para a reposição de líquidos durante o exercício. Carmo et al.(37) verificaram que a ingestão de água ad libitum foi suficiente para manter o estado eu-hidratado de indivíduos que se exercitaram por uma hora em ambiente quente e seco, ao passo que, se eles tivessem ingerido o volume recomendado pelo ACSM(18), teriam consumido mais água do que o necessário. Em um estudo de campo (durante sessões de treinamento de voleibol)(38), foi observado que a ingestão de água ad libitum repôs aproximadamente 60% das perdas hídricas, o que representou menos de 1% de variação de peso corporal. Isto indica que os jogadores terminaram as sessões de treinamento eu-hidratados.
As discussões sobre o volume de líquido a ser ingerido durante o exercício para se manter um estado de hidratação adequado ainda continuam. Além da quantidade, a composição da bebida também é tema de muita discussão. É importante ressaltar que as recomendações foram criadas a partir de estudos com indivíduos jovens, saudáveis e, muitas vezes, bem condicionados, o que pode dificultar a sua aplicação de forma mais ampla.
Parece-nos coerente que a ingestão de acordo com a sede seja suficiente e mais adequada, pois acreditamos que o sistema nervoso central seja capaz de indicar corretamente o volume de fluido a ser ingerido, a partir de informações por ele integradas sobre todas as demandas do organismo. Além disso, é importante considerar o desenvolvimento do mecanismo da sede como parte do processo evolutivo do ser humano, o qual desenvolveu ao longo do tempo mecanismos diferenciados e perfeitamente integrados para regular o volume e a osmolalidade plasmática, assim como a sua temperatura corporal.
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